"Anticolonial" ao gosto do capital
Por Felipe Demier, em 24 de dezembro de 2023
Cada vez mais, "expoentes" da esquerda socialista brasileira, antenados com o que deve ser a penúltima moda decolonial (portanto, da academia "metropolitana"), praguejam contra o "colonialismo". Decerto, não se referem às antigas e atuais ocupações coloniais, como Argel e Gaza, respectivamente - aliás, pouco falam da Palestina, afinal, “cada qual com sua preocupação decolonial"...
A menção ao "colonialismo" desses expoentes instagramers diz respeito ao que seria uma "colonização das mentes e corpos", uma espécie de colonização epistemológica ("colonialidade do saber", de Quijano) que o tal "pensamento ocidental" teria imposto a nós, "periféricos". No caminho metodologicamente oposto ao que certa feita trilhou o jovem periférico Bronstein ao hegelianamente compreender o concreto da universalidade burguesa por meio da interação/determinação dialéticas entre a particularidade periférica e a totalidade capitalista, nossos expoentes socialistas do tempo presente aderem à simples e romântica reificação de um passado "original", livre da "lógica colonial".
O caminho não aponta para a emancipação do todo, para a emancipação humana - e nem mesmo para a do periférico -, e sim para o culto e a preservação dessa própria condição periférica, para busca e adoração do que seria uma essência "não colonial", "autêntica" e, de preferência, oposta à ciência. Em alguns casos, nos quais à metafísica de uma essencialidade periférica (talvez uma "coisa em si" kantiana, uma perifericalidade do ser) se soma uma metafísica abertamente religiosa, a crítica ao "pensamento científico e colonial" recorre a uma tal "ancestralidade", não aquela fruto do acúmulo de lutas, tradições críticas e resistência política dos povos originários, camponeses e trabalhadores da periferia (ao estilo dos marxistas Mariátegui, Luís Vitale e Ta Thu Thau), e sim outra, de ordem religiosa, transcendental. O marxismo dá lugar a uma busca por espiritualidade, crenças e shivas, e a organização da classe trabalhadora é substituída pelo fetiche com culinária, danças e plantas (todas "originárias", claro), cuja receita inclui, à guisa de tempero performático, algumas palavras genéricas contra o capitalismo, o eurocentrismo, "o controle dos corpos", a "ciência dominadora" e a "modernidade colonial".
Curiosamente, alguns desses nossos expoentes da esquerda socialista mal sabem que o principal alvo dessa "cosmogonia anticolonial" é precisamente o marxismo. Outros, contudo, talvez desconfiem, talvez até saibam, mas os likes e votos falam mais alto, pois têm, para estes, mais força material - salarial, às vezes - do que qualquer crítica marxista radical.
Feliz natal!