De Gaza à Baixada, a guerra é contra os mesmos senhores
Por Carolina Freitas e Mateus Forli, publicado em 28 de fevereiro de 2024
Em cinco meses, 1.5 milhão de palestinos tiveram que fugir de suas casas, 30 mil foram assassinados, 2.2 milhões estão sitiados. Todos sob risco iminente de morte pela fome e desidratação, além das bombas ininterruptas e da ausência (agora total) de medicamentos e atendimento hospitalar.
Repetimos: há o risco de mais de um milhão de crianças morrerem pela fome. O povo palestino está sendo exterminado em câmera lenta na nossa frente.
A mais de 10 mil km de distância, por aqui, em 23 dias, 33 jovens pretos, pobres e periféricos foram assassinados pela Operação Escudo, na Baixada Santista. Dezenas de famílias tiveram suas casas invadidas, suas vidas ameaçadas e seu cotidiano transformado em terror.
Derrite, o bolsonarista que lutou pelo fim das saidinhas no Congresso, colocou os coroneis da Rota – a polícia que mais mata no Brasil – para comandar com ele os aparelhos da segurança pública de São Paulo… Ele tem um plano de fazer a milícia ganhar terreno às custas do sangue em morros e vielas paulistas. Desde que Tarcísio assumiu o governo do estado, os homicídios cometidos pela Rota aumentaram cinco vezes[1]. A Operação Escudo e a Operação Verão são as operações mais assassinas desde o Massacre do Carandiru, em 1992[2].
E o que os moradores dos morros da Baixada tem a ver com os palestinos?
Muita gente séria já investigou e escreveu sobre isso. Vale a pena fazer uma retrospectiva sobre a presença e influência israelense na América Latina, mas uma daquelas retrospectivas que “a Globo não mostra”[3].
A presença de Israel na América Latina sempre deixou um rastro de sangue e barbaridades. As associações da entidade sionista com os piores grupos da extrema-direita se estendem desde o México até o Chile. Remontam à criação do Estado de Israel e perduram até a atualidade.
Fazem, nestas bandas, o papel sujo que nem os EUA estão dispostos a exercer: treinamento de grupos paramilitares de extrema-direita na Colômbia, operações de contrainsurgência e organização de grupos de extermínio na Argentina, El Salvador, Guatemala e Nicarágua, só para citar alguns exemplos.[4]
Israel é um Estado fundado sobre as vidas de toda uma população palestina originária. Por isso é de se esperar que a sua indústria bélica tenha um papel tão importante. Seus métodos de repressão e brutalidade, seus armamentos, camburões, são todos “testados em campo” e exportados dessa forma, com o selo sionista de qualidade: sangue palestino.
Essa torrente de sangue palestino que abastece sua indústria corre e atravessa o Oceano Atlântico, chegando também aqui, no Brasil. Por aqui, volta a ser derramado, agora pelas mãos dos nossos aparelhos de insegurança pública.
A PM de São Paulo, por exemplo, é uma compradora assídua de equipamentos israelenses. Os “métodos de pacificação urbana” sionistas são replicados nos morros e favelas paulistas. É quase natural: um exército cuja missão é impor o apartheid e o colonialismo na Palestina encontra bons pares entre as polícias brasileiras, cujo objetivo é segregar, reprimir e impor terror nas nossas favelas.
Encontra bons pares, também, entre os espiões modernos, que fazem inveja nos profissionais da arapongagem do nosso antigo SNI. Em toda a tal “Abin paralela” do Bolsonaro vemos as digitais israelenses[5].
E isso porque, no mundo todo, Israel é uma grande amiga da extrema-direita.[6] Chega a ser aloprado, mas o autodenominado “Estado judeu” vive de mãos dadas com gente egressa do nazifascismo europeu. A identidade entre eles é evidente: são racistas, colonialistas e, em última instância, a solução para suas aspirações políticas é o genocídio; sua aspiração final é o extermínio.
Lula não foi o primeiro a reconhecer essas semelhanças e, ao que tudo indica, não será o último. A mídia e os deputados da direita podem esbravejar, bater o pé, mas nada apaga a realidade: Israel comete genocídio contra os Palestinos.
Como diz o pesquisador Norman Finkelstein, filho de judeus vitimados nos campos de concentração nazistas, “se Israel não quer ser comparado aos nazistas, deve parar de se comportar como os nazistas”[7].
É preciso romper relações com o Estado de Israel urgentemente, já passou muito da hora, porque é o dinheiro do povo brasileiro que está sendo usado para comprar do governo e do capital sionistas inteligência e aparatos de guerra para nos exterminar aqui!
O reconhecimento de que Netanyahu orquestra um genocídio para limpar a Faixa de Gaza de vidas palestinas implica necessariamente nesse rompimento diplomático! Mas não é só.
Desde 2019, o capital israelense mantém um escritório lobista em São Paulo para capturar contratos comerciais de exportação de tecnologia de guerra[8]. Tudo facilitado pelas orgânicas relações entre forças de extrema-direita lá e cá.
Devemos batalhar concretamente e fazer campanha pelo fim de todos os acordos comerciais com Israel, sobretudo em relação a empresas bélicas como a Plasan, que exporta os blindados usados nessas operações do terrorismo de Estado em São Paulo e no Rio de Janeiro[9] e a Israel Weapon Industries Ltda (IWI), que fornece carabinas e metralhadoras para a Polícia Militar paulista (em especial para a Rota) e fuzis automáticos e semiautomáticos para a Polícia Militar do Rio de Janeiro[10].
Afirmar que as balas que matam os palestinos em Gaza também exterminam nas favelas brasileiras não é esforço retórico. É a brutalidade real do imperialismo cortando a carne.
Lutar contra o genocídio palestino é lutar contra o genocídio negro aqui, lutar contra o bolsonarismo é lutar contra o sionismo.
E a quebra dessas correntes começa pelo fim de todo e qualquer acordo entre Brasil e Israel assinado à base do sangue que corre em Gaza, na Baixada e em tantas outras quebradas no mundo.
Notas
“Mortos pela Rota quase quintuplicam no 1º ano do governo Tarcísio”, disponível em: <https://www.metropoles.com/sao-paulo/mortos-rota-governo-tarcisio>. ↩︎
PM mata 1 a cada 15 h no litoral; ação é a mais letal de SP desde Carandiru, disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/02/22/pm-mata-1-pessoa-a-cada-15-h-em-acao-na-baixada-santista.htm>. ↩︎
Ver o relatório do Movimento BDS América Latina, “El militarismo israelí en América Latina”, disponível em: <https://www.alainet.org/es/articulo/196674?language=es>. ↩︎
“O rasto de terror de Israel na América Latina”, disponível em:
<https://www.aljazeera.com/news/2003/6/5/israels-latin-american-trail-of-terror>. ↩︎“Operação First Mile: Programa espião usado pela Abin deixou expostos dados estratégicos em servidor em Israel”, disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/01/25/operacao-first-mile-programa-espiao-usado-pela-abin-deixou-expostos-dados-estrategicos-em-servidor-em-israel.ghtml>. ↩︎
“Uma união improvável: Israel e a extrema-direita europeia”, disponível em:
<https://www.aljazeera.com/opinions/2018/7/17/an-unlikely-union-israel-and-the-european-far-right>. ↩︎“Polícia de Israel inaugura escritório de cooperação em São Paulo”, disponível em: <https://guiame.com.br/gospel/israel/policia-de-israel-inaugura-escritorio-de-cooperacao-em-sao-paulo.html>. ↩︎
“Plasan unveils the Guarder – an armored carrier for SWAT teams”, disponível em: <https://defense-update.com/20141110_guarder.html>. ↩︎
“‘Doria é cúmplice do apartheid palestino’, diz membro do BDS sobre gasto milionário em armas israelenses”, disponível em: <https://ponte.org/doria-e-cumplice-do-apartheid-palestino-diz-membro-do-bds-sobre-gasto-milionario-em-armas-israelenses>.
“Israel e Rio de Janeiro: comércio de tecnologias e produção da morte”, disponível em: <https://dmjracial.com/2022/09/13/israel-e-rio-de-janeiro-comercio-de-tecnologias-e-producao-da-morte>. ↩︎