Não, Taylor Swift não vai nos salvar de Pablo Marçal

Não, Taylor Swift não vai nos salvar de Pablo Marçal
Rufino Tamayo, Dualidade (1964).

Publicado por Luis Felipe Miguel em 26 de agosto de 2024.

A decisão da justiça, de suspender as contas de Pablo Marçal nas redes sociais online, é um passo importante na direção certa, mas não resolve o problema.

Há três níveis em que as questões que o coach coloca precisam ser enfrentadas.

Primeiro, a mais imediato, em relação à disputa paulistana.

Não existe dúvida de que são muitos os motivos que justificam a cassação da candidatura de Marçal – das irregularidades na convenção partidária ao abuso do poder econômico.

O PCO já está aí defendendo o coach, então convém explicar. A defesa da cassação não é “ficha limpa”, não é tutela de decisão do eleitorado. Pelo contrário: o que está em jogo é a possibilidade dos eleitores fazerem escolhas relativamente livres e limpas.

Para isso, um mínimo de equalização das condições de disputa é necessário, em particular a prevenção do abuso da força do dinheiro e do controle da comunicação. Cassar a candidatura de Marçal é necessário para garantir esse mínimo de lisura.

Depois, em relação à regulação das plataformas sociodigitais na internet.

Se não houver regulação, a cada eleição serão necessárias intervenções – que serão vistas como “censura” ou atos de força.

O Congresso, que seria o lugar para que tal regulação ocorresse, está controlado por picaretas que sonham fazer tudo o que Marçal está fazendo. Então cabe ao Supremo agir.

Ele não é craque em estabelecer equivalências? Então faça a equivalência entre as redes e a mídia convencional.

Claro que isso exige mobilização, pois sofrerá a oposição renhida das big techs, sócias, na prática, dos vigaristas que tomam conta da internet – afinal, lucram conforme eles lucram.

Por fim, em relação à qualidade do debate.

A grande armadilha da democracia eleitoral, aquilo que a transforma num instrumento muito mais de manutenção da ordem do que transformação radical da sociedade, é a redução do horizonte da política a conquista de votos. O eleitoralismo faz com que a única coisa que importe seja obter o melhor resultado na eleição que está chegando. Com isso, não existe possibilidade de acúmulo, não existe estímulo para a desconstrução das representações hegemônico do mundo social. Sempre é mais proveitoso remar a favor da correnteza, mesmo que essa correnteza seja conservadora, individualista, contrária aos interesses dos trabalhadores e dos grupos dominados em geral.

No Brasil, isto é acentuado pela urgência – real – de combater o bolsonarismo. Em nome desse combate, o discurso político da esquerda é sempre rebaixado. Temos que chegar no eleitor de “centro”, temos que cuidar para não assustar o evangélico conservador ou aquele que é vítima do discurso do empreendedorismo ou aquele que foi doutrinado nos valores da família tradicional e assim por diante.

O enfrentamento é sempre adiado para um próximo momento, mas esse momento obviamente nunca vem, porque temos uma eleição após a outra.

Valério Arcary, que dificilmente poderia ser chamado de “reformista”, escreveu recentemente: “Boulos já fez um reposicionamento de imagem para diminuir a rejeição. Ela é muito grande porque há vinte anos Boulos tem a trajetória de um lutador popular. Se Boulos se apresentasse com o rosto das eleições de 2020, o animador do MTST, a eleição estaria perdida. [...] Nossa palavra de ordem deve ser: ‘Não Passarão’”.

Mas, como disse Felipe Demier, “se em toda eleição o argumento for sempre a necessidade premente de derrotar o neofascismo, e pra isso se abdicar de uma mobilização e uma pedagogia programática que avance a consciência e a organização dos trabalhadores, ficaremos sempre postergando o verdadeiro combate, ainda que com eventuais faustos eleitorais”.

Não há nunca um momento para educação política, para a disputa, para a elevação da consciência. É só adaptação, acomodação, capitulação. E daí na eleição seguinte vamos ter que recuar ainda mais, até porque, se tem uma coisa que a direita está fazendo hoje, é a desconstrução de todos os valores ético-políticos que um dia a gente achou que tinha conseguido firmar minimamente.

O objetivo da esquerda não é ganhar eleições. É mudar o mundo. Ganhar eleição pode ser um instrumento, nunca uma finalidade.

O pior é que nem os resultados eleitorais costumam vir – taí Marcelo Freixo, que não me deixa mentir.

Não costumo elogiar a deputada Tabata Amaral, mas ela demonstra muito mais firmeza e coerência no combate ao “fenômeno” Marçal do que o candidato da coligação PSOL-PT.

Não é só a “moderação”. É a aceitação de que a campanha pode ser tudo, menos um momento de educação política.

Boulos fica impulsionando vídeos em que comemora suas similaridades com Taylor Swift (eles têm a mesma altura) e insiste nos terríveis trocadilhos de confeiteiro. Essa é a cara da esquerda na maior cidade do país?

Se é para fazer campanha assim, mesmo uma vitória seria uma derrota. Mas o mais provável é que a derrota seja uma derrota mesmo.

Boulos é melhor do que isso. Tá na hora de colocar na rua uma campanha que deixe isso claro.

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