Nem todos os intelectuais usavam black-tie, Fernandinha

Nem todos os intelectuais usavam black-tie, Fernandinha
René Magritte, Decalconomia (1966).

Por Elídio Alexandre Marques, em 09 de janeiro de 2024

Circula mais um recorte em que Fernanda Torres, uma das mais visíveis intelectuais de sua geração, atriz de recursos e hábil portadora da condição de filha de um dos pilares da Nação, o que não é simples, "retira" o meme dos anos 80 ("tenho preconceito contra crente"), condescende com as igrejas evangélicas e junta a "crise do intelectual branco", o fato de "o povo falar por si só" e a importância educativa de Mano Brown.

Por partes:

1- "Nós" quem estamos perdidos? O meu "nós" está em dificuldades, mal parados que estamos num mundo de crises múltiplas e forças escassas dos projetos sérios de saída. Mas "nossos" avisos, infelizmente, só se tem confirmado e nosso clamor por mudanças profundas se atualizado. O que tem desmoronado são as ilusões liberais nas quais vocês acreditaram ou gostariam de ter acreditado. Não não, não tem saída com "equilíbrio" entre Musk e os bilhões de pobres ...

2- A "voz" do povo é uma disputa histórica e permanente. Se "vocês" diziam coisas "libertárias" superficiais, hedonistas, festivas (alô banda de ipanema ...) e eram contra a "caretice", "nós" dizíamos de realidades estruturantes, opressões concretas, necessidades vitais, justiças duradouras e enraizadas. Se há intelectuais populares e não brancos hoje essa é uma conquista deles e eles são parte do nosso movimento emancipatório, com o protagonismo indispensável que ainda vai só no comecinho.

3- É uma cegueira compreensível para as limitações de um "liberalismo progressista" misturar o popular emancipatório do antirracismo com o popular manipulatório dos fundamentalistas religiosos a serviço da conservação da ordem. É evidente que diante da movimentação questionadora dos "de baixo" as elites econômicas vão insuflar aliados capazes de disputar a energia e a imaginação das maiorias. Mano Brown e o telepastor reacionário e mentiroso não são "o povo falando por si" igualmente, mas expressão de uma disputa de projetos antagônicos (que nem poderá descartar os teleseguidores nem se realizará nos termos de Brown).

Nós - o nosso nós - sabemos dessas coisas, Fernandinha. Acho até que a geração da Fernandona soubesse e não duvido que se recorde (Eles Não Usa(va)m Black Tie, não é?). A tua turma, a pequeníssima turma dos ricos famosos esclarecidos, hiper representada midiaticamente, é que passou as últimas décadas tentando vender um acordo impossível e que faliu a olhos vistos e cuja conta está nas mãos dos de baixo.

Fernandinha, você é engraçada, simpática e até inteligente, dentro do horizonte limitado que escolheu. Mas seria bem mais relevante se descesse desse muro do lado dos que precisam derrubá-lo. Aí você não seria uma "intelectual branca perdida", mas uma agente viva da vida que todos mereceríamos viver.


* Elídio Alexandre Borges Marques é professor de Relações Internacionais na UFRJ

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