O lulismo e a "espada de Dâmocles" do congresso nacional

O lulismo e a "espada de Dâmocles" do congresso nacional
Pablo Picasso, Mosqueteiro com espada (1972).

Por Felipe Demier, publicado em 29 de maio de 2024.


Existe, de fato, uma alteração prática no modo de funcionamento do regime democrático-blindado, no que tange à relação entre os poderes, desde o governo Temer. O protagonismo de cariz bonapartista do Judiciário é evidente, e não requer aqui demonstração.

Mas há, também, sobretudo com Lira, uma limitação cada vez maior do Executivo em face a um Legislativo crescentemente reacionário e, dado o peso do Centrão no seu interior, impudentemente fisiológico - a ponto da outrora condenável prática do mensalão ter assumido uma forma legal - e mesmo edulcorada pelos analistas políticos do mainstream ("o governo tem que saber negociar com o congresso", e o que os congressistas querem são cargos, indicações e liberação de emendas parlamentares...). A "base material", portanto, dessa mudança no funcionamento do regime - mas que não acredito ser uma mudança de regime- não vai muito além de uma fatia maior do orçamento controlada pelo congresso, sobretudo com as emendas secretas (que caíram, mas seguiram de todo jeito).

O que mudou, em termos políticos, foi a noção de que a simples perda de maioria no congresso pode levar ao impeachment, o que antes de 2016 não estava colocado. O Executivo ainda dispõe de muitos instrumentos pra governar, muito mais poder do que o Legislativo, por óbvio, mas há uma tendência, impulsionada pela grande imprensa, de que se deve "preservar uma boa relação com o congresso", o que, na prática, significa se submeter docilmente à chantagem deste, a troco da tal "governabilidade", o que faz dessa última uma palavra vazia, ou não muito mais do que uma promessa, sem garantias, de que não haverá um novo golpe.

Convém lembrar também que para a burguesia hegemônica (em tempos de crise hegemônica, é verdade), que visa à permanência de um governo de concertação social (o que o bolsonarismo não pode oferecer) cada vez mais insípido e manietado, essa governabilidade, na qual pouco se faz além de austeridade e ainda assim tendo sobre a cabeça do Executivo uma espada congressual de Dâmocles, é interessante. Outrossim, para um governo já pouco disposto em fazer reformas radicais na estrutura social brasileira, essa chantagem do Legislativo acaba por justificar uma governabilidade de baixa intensidade, por assim dizer, vindo, portanto, muito bem a calhar ao lulismo atual ("afinal, o que eu posso fazer?!").

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