Onde foram parar as nossas eleições?
Publicado por Elídio Marques em 08 de outubro de 2024.
1- O signo mais marcante do 1° turno de 2024 não é o de massacre da esquerda porque esta já tinha ido mal em 2020 e em 2016, mas o de perda de um terreno que foi muito importante para o avanço desta nas décadas anteriores.
2- Desde a redemocratização as eleições municipais haviam se tornado as melhores eleições para a esquerda, em particular para o PT. Tendo dado os primeiros sinais de que podia vencer já nas históricas primeiras eleições de 85, o PT sagra-se "o grande vitorioso" de 88 com apenas umas 35 prefeituras.
3- No rearranjo de regime e do federalismo ao final da ditadura o município ficou com competências e recursos que, mesmo limitados, são invejáveis internacionalmente comparando: saúde, educação, urbanismo, transportes e ...IPTU.
4- O PT, então um partido mais solto das amarras sistêmicas, produz uma série de inovações nas gestões que vão levar, inclusive por contraste com o velho e ineficiente coronelato, a um reconhecimento de um, ainda que difuso, "modo petista de governar". O orçamento nas paredes de Icapuí, a saúde de Santos puxando o SUS para a prevenção, o simbolismo e mutirões de Erundina e o Orçamento Participativo podem ser criticados como quiserem, mas estão entre as maiores inovações políticas que a esquerda mundial produziu gerindo cidades.
5 - Mais do que o significado das políticas em si, o PT conseguiu alimentar a ideia de que a prefeitura pode mudar a vida, de que eleger um governo de esquerda, popular, pode mudar a vida efetivamente, concretamente, das maiorias sociais.
6- Ao longo dos anos 2000 essa perspectiva foi se perdendo. Uma combinação de elementos - da mudança de perfil do PT às alterações legislativas e fiscais que foram amarrando os municípios culminando no Orçamento sequestrado - foi matando as diferenças entre ser gerido pela esquerda e pela direita no plano municipal na percepção de amplos segmentos de massas. Não se afirma aqui que não há diferenças, mas que elas não são suficientemente percebidas.
7- Milhões de pessoas que votaram em Lula contra Bolsonaro votaram em partidos do centrão (direitão) neste 1° turno. Não necessariamente são votos já perdidos para direita, a grande maioria não, mas podem ser. É um caminho ao qual mesmo a manutenção de uma presidência não fascista precisa atentar e combater.
8- Para a esquerda, as municipais perderam-se como oportunidade de mostrar a que veio na disputa institucional e que "vale a pena". Tornou-se de "mudar a vida" uma esperança de algum "alívio" com a não vitória de um fascista ou do mais fascista entre os fascistas concorrentes. Essa é a derrota mais profunda do que a mostrada por qualquer número.
9- Ao longo dessas décadas de hegemonia neoliberal, a classe dominante conseguiu uma vitória importante: reduzir os horizontes, as esperanças, a vontade de mudança de milhões de pessoas. Em muitos casos, inclusive, canalizando-as para um verdadeiro misticismo messiânico da prosperidade individual.
10- Podemos fazer coisas imediatas: apoiar o Boulos contra o Nunes, por exemplo (excursões democráticas pra São Paulo?), a Rosário contra o ecocida Melo em Porto Alegre, o mal menor quando for "centro" contra a barbárie. Podemos em seguida reestruturar todas as forças para as batalhas destes 2 anos até as próximas eleições. Afinal, imaginem a fome do "centrão" depois deste fortalecimento para cima dos nossos direitos, recursos e do próprio governo Lula?
Mas precisamos de algo mais de fundo. Com toda a humildade, sem reafirmações banais entre "moderantes" e "radicalizantes" - até porque muitas das respostas são mais complexas do que isso - e, pensando além de 2026, precisamos elaborar melhor um futuro para a esquerda brasileira. Sem esquerda como representação dos interesses populares não há resistência ao que avança no mundo inteiro como deterioração das relações humanas e sem projetos de futuro não há esquerda. Tem que voltar a valer a pena.
Uma nota que pode nos dar alguma pista e alento: alguns dos candidatos mais votados do nosso campo em grandes capitais foram jovens vinculados à luta contra a super exploração.
O "conservadorismo", o continuar fazendo tudo sempre igual, virou uma irresponsabilidade temerária. Está cedo demais para nos rendermos e tarde demais para desistirmos de começar.