Os coveiros "meio" nazis: a ascensão da extrema-direita e o carisma cansado do espírito de 45.

Os coveiros "meio" nazis: a ascensão da extrema-direita e o carisma cansado do espírito de 45.

Por Elídio Alexandre Marques*, em 20 de novembro de 2023

A "ordem de 45" criou seus próprios coveiros, mas um sério problema para todos nós é que eles são "meio" nazis. O poder mundial foi então repactuado em algumas bases dentre as quais: a hegemonia dos EUA e de seu capitalismo liberal (com FMI e semelhantes); a promessa de um mundo novo seguro e com direitos humanos (a conviver com a realidade de intervenções, ameaças e violações de direitos; aceitando a existência, já então inevitável, de países não capitalistas (na ONU) ou não exatamente capitalistas e de elementos de contrapeso dentro dos capitalismos (graus distintos de regulação e fundo público destinados à compensação dos "perdedores"); o enquadramento institucional das lutas e aspirações emancipatórias, com "o sistema" funcionando com um filtro de seletividade do que é legítimo fazer ou razoável pedir.

A imensa maioria do "campo democrático" ou "progressista" ou "da esquerda" não apenas aceitou esse jogo, como foi peça fundamental para dar-lhe dinâmica, credibilidade e vitalidade. Os mais consequentes nunca deixaram de apontar "o fascismo como possibilidade histórica" mas, de forma geral, o perigo da volta da extrema-direita foi, mesmo quando apontado e combatido, subestimado.

No momento atual - ameaçados concretamente por aqueles que não tem o menor compromisso com as "normas civilizatórias" (sempre hipocritamente tratadas) pactuadas no pós-guerra - tende-se ao pensamento mágico: ampliar as frentes, ceder, ceder mais um pouco para quem sabe salvar da ordem a única coisa que ela nunca cumprirá: a promessa de um mundo melhor.

O apoio eleitoral a Lula e a Massa - e mesmo ao cada dia pior Biden - parece sensato ou incontornável diante do horror que grita o monstro. Não se duvida da "necessidade", mas alerte-se para a insuficiência. Aqui, lá, neste mundo que arde em guerra, calor e desigualdades e em que a estupidez, a (des)solidariedade, a desumanização, a racionalidade irracionalista do individualismo vão comprando terrenos, em que aquela "democracia" liberal não entrega nada do que promete há que renascer o movimento dos que não tem muito a perder, além das correntes.

Nos cenários concretos, todas as táticas mais ou menos amplas ou estreitas, as estéticas, as cores, os nomes dos candidatos, tudo pode ser discutido. Teremos chance se não desaprendermos o que sempre soubemos: "a ordem" nunca foi "nossa" nem segura e nem de direitos para a maioria de nós. Não morramos afogados na retórica defensiva que adotamos em certos momentos nem nos apaixonemos por nossas próprias vitórias que tem sido todas muito provisórias.

Só o profundo revolucionamento da realidade pode transformar as promessas em verdade - um tanto que seja - e afastar pra mais longe esses abutres que nunca deixaram de nos rondar desde o colonialismo e dos campos de horror. O "pacto" firmado em 45 era, afinal, mentiroso, como sempre soubemos e só queria de nós um pouco de sossego a troco de pequenas partes do mundo. Agora eles as querem "de volta" e cabe-nos lançar toda a nossa inteligência e capacidade de luta para resistir e ganhar.


* Elídio Alexandre Borges Marques é professor de Relações Internacionais na UFRJ

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